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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Uma ideia na cabeça e um celular na mão



UMA IDEIA NA CABEÇA E UM CELULAR NA MÃO: 

O EXERCÍCIO DO OLHAR - por Raul Franco


Neste momento de pandemia tivemos que lidar com muitas coisas que não passavam pela nossa cabeça. De repente, estávamos assustados, inseguros e com medo, muito medo. Em casos extremos, pânico mesmo. Passamos a lutar pela nossa sobrevivência. Um turbilhão de emoções tomou conta de todo mundo. E com o isolamento social, a coisa ficou ainda mais intensa, principalmente internamente. Várias questões pintaram no meio do caminho: “O que faremos de nossas vidas?”, “Como conseguiremos dinheiro para pagar as contas se não saímos de casa?”, “O que posso fazer para manter a cabeça ativa e saudável?”. E, com certeza, a palavra de ordem foi: REIVENTE-SE! E isso fez muito sentido, principalmente para nós da arte. 


Antes, queriam colocar os artistas na categoria dispensáveis, sem utilidade nenhuma. E, então, veio essa loucura toda e mais do que nunca foi provado que sem arte não vivemos!!! Ela está aí para nos dá o lúdico, ajudar-nos a relaxar, a respirar algo que não seja tão pesado como a realidade que nos oprime. A arte é sim imprescindível! Se houver duas pessoas teremos essa necessidade da comunicação, de contar uma história, de emocionar. Se tivermos duas pessoas, teremos teatro, teremos arte! 


Essa explanação inicial é só para dizer com todas as forças que estamos mesmo vivendo um novo tempo, um tempo diferente. As aglomerações continuam sendo um grande problema, uma grande preocupação daqui pra frente. Imagine nós artistas que vivemos e precisamos dessas aglomerações, o nosso trabalho tem muito a ver com isso! Shows e teatro? Como podemos fazer isso de novo já que é tudo incerto? Não vai ser amanhã que todos lotarão os teatros novamente (aliás, o teatro já estava lutando com todas as forças para sobreviver e agora, mesmo com máscaras de oxigênio, ele mostra que é Highlander).  


Então, o que conseguimos ver no atual cenário? Muita gente procurando alternativas, meios de continuar fazendo arte. Muita gente pesquisando linguagens, experimentando coisas. O certo é que, se antes já vivíamos no celular, agora mesmo é que ele se tornou uma ferramenta mega-importante. Queremos boa Internet, bom aparelho, para que possamos fazer uso disso como auxílio de alguma coisa nova que pretendemos fazer e que pode ser um novo caminho pela frente. Então, teve gente que descobriu funções novas no celular que nem sonhava para que servia. E aí muita gente correu para o Zoom e outras plataformas similares para reuniões de trabalho, fazer peças e até comemorar aniversários. Fazer peças! Aí entra outra coisa que merece destaque. Algumas peças já estão se experimentando no Universo online. E muitos desses trabalhos já estão aí para serem apreciados. E aí veio a discussão em função dessa nova forma de se fazer teatro. Muitos dizem que não é teatro, que é outra coisa. E realmente não é teatro, mas também não é áudio-visual. É uma mescla de linguagens que ainda não entendemos o que é ou o que pode ser. Estamos no movimento e devemos ficar atentos a isso. Como artistas, não podemos deixar o bonde passar. Temos que nos agarrar nesses novos ventos para entender como é que vamos funcionar artísticamente. Como vamos potencializar o nosso ofício? Como vamos comunicar alguma coisa de arte para alguém do outro lado da tela? Sim, agora é a tela do celular que nos separa do público que está na plataforma do zoom, nas lives do instagram e do facebook, como também no youtube. Há uma “fome” de conteúdos artísticos que podem estar ao alcance dos dedos. Os nossos dedos correm no visor para dar conta das lives que surgem nessa nuvem comunicativa da Internet. 


Eu ando pensando muito essas formas de se fazer arte. De como continuar existindo como artista. E isso não tem me dado medo. Pelo contrário. Tem me desafiado dia após dia. Eu me forço a ter grandes ideias e a experimentar novas coisas - uso o que está ao alcance das minhas mãos para fazer o artístico que necessita sair de mim. 


Logo no início da pandemia, onde tivemos que ficar em casa, já me veio a ideia de lançar um livro de poemas pela Amazon. Coisa que eu fiz e que foi muito bem recebido pelos leitores. Depois comecei a fazer exercícios de dramaturgia, criando vídeos para um personagem que misturava a ficção com a minha vida. Assim nasceu RUBENS RAUL CAIO DA SILVA. Fiz três vídeos que variavam sobre este tema. Depois lancei um projeto de leituras dramatizadas online, o Curta a Cena, onde eu apresento textos meus e de uma parceira, a Carmen Filgueiras, em lives no Instagram. E foi e continua sendo muito interessante nos exercitarmos nesse sentido. Porque não só escrevemos o texto, como pensamos na sua concepção e na construção dos personagens que nós mesmos vamos fazer. É um super-trabalho. E que já rendeu frutos: duas coletâneas de textos foram lançadas na Amazon. E, no meio disso, ainda consegui participar do meu coletivo CLUBE DA CENA que se lançou em uma nova forma de fazer esquetes através de lives no Instagram, contando com a interação do público. Ficamos em cartaz de segunda a sexta durante dois meses, produzindo cenas. E eu ainda era o responsável por editar as lives e lançá-las no YouTube. 


O objetivo aqui, partindo dessas minhas realizações, é propor reflexões e diálogos sobre o que podemos ainda fazer. Então, muita gente já sentiu na pele e na marra a necessidade de reinvenção. Quem nunca tinha feito live, teve que saber como se faz isso. E não só live para fazer cenas, apresentar uma performance, mas lives para dar aula, fazer reuniões e outras coisas. A preocupação agora é se a bateria do celular está bem carregada, se há uma boa conexão e qual lugar é melhor para que o sinal fique mais estável. Sim, é um novo esforço, uma nova tensão. Um novo olhar para isso tudo que estamos vivendo.


Aí agora entra a abstração do título que usei para este texto. UMA IDEIA NA CABEÇA E UM CELULAR NA MÃO: O EXERCÍCIO DO OLHAR. Eu tenho visto muitas coisas artísticas online. Recentemente vi bons trabalhos que me instigaram e me levaram a profundas reflexões e ao exercício do fazer também. Já que quando vejo alguém realizando algo, penso: “Se a pessoa fez é possível que eu consiga fazer”. Vi um trabalho dirigido por um amigo meu, o Ivan Sugahara, que era na quina da sala dele. O espetáculo se chama NO INTERIOR. E é Uma pesquisa sobre a questão do isolamento, onde a atriz Danielle Oliveira trabalha movimentos interessantíssimos nesse espaço. E tinha uma luz que criava uma sombra especial na parede que dava uma ambientação muito propícia ao que a atriz discutia. E também ouvíamos sons gravados da voz que faz a narração praticamente toda do que acontece nesse espaço cênico. Estou falando muito en passant aqui para dar conta de tudo que eu quero e preciso falar. Vou prosseguir, qualquer coisa retomo este viés aqui lançado. 


Vi trabalhos com processos dos artistas sendo divididos conosco. O que foi o caso do Coletivo Complexo Duplo, do Felipe Vidal, que está em pesquisa em cima do álbum Dois, da Legião Urbana, que foi lançado em 1986. O primeiro episódio foi lançado no YouTube e acompanhamos coisas do processo que já estavam gravadas e que foram divididas ali conosco no momento em que ocorria a live. Isso também foi o que aconteceu no trabalho do Ivan com a Danielle que foi um encontro no Zoom onde eles davam um link do Youtube para vermos o espetáculo NO INTERIOR, que foi gravado em plano sequência, isto é, não tem cortes. E o Ivan até se arrisca a chamar este trabalho de “peça-metragem”, ou seja, acenando para a possibilidade de se cunhar um termo que dê conta desse novo movimento. O que digo aqui - procurando dar ênfase neste momento - é que não se trata de uma execução em tempo real (e talvez é isso que determina o que é ou o que não é teatro? Mas mesmo se a performance for executada ao vivo não teremos pessoas assistindo no mesmo espaço… Então, isso não pode ser um ato teatral? Questões, questões…). 


Agora um trabalho que me deixou profundamente tocado e inspirado, foi o trabalho do ator Marrat Descartes, que se chama PEÇA. Vi por acaso a divulgação em um link patrocinado no Instagram e resolvi conferir porque estou cada vez mais voltado para saber sobre esses trabalhos feitos de uma forma pulsante e com a necessidade de comunicar algo. E o trabalho de Marrat é incrível. Fora que, de cara, ainda ficamos sem saber o que está sendo ao vivo mesmo e o que foi gravado. Porque poderia ser uma pegadinha isso de dizer que é ao vivo quando, na verdade, já foi gravado e está passando em uma live. (Isso não é engraçado e curioso? - um gravado passando numa live?!) Mas, quase tudo que o Marrat faz em sua peça PEÇA é ao vivo. Algumas inserções de vídeos acontecem, e, vale dizer, de uma maneira como todos nós fazemos, já que o desktop é mostrado e a seta vai e clica no vídeo que vai passar na hora. E o trabalho é potente, vigoroso, porque é uma mescla de acontecimentos da própria vida do Marrat com coisas ficcionais ou reflexões do tempo em que vivemos. Não quero falar mais para não dar spoiler, caso vocês consigam ver a peça que, literalmente, chama-se PEÇA, que é a designação de uma obra a ser apresentada como também o ato de pedir: PEÇA. Interessante! 


Ainda tinha algumas outras referências para citar de coisas que ando vendo. Mas o que importa aqui é ser mexido por tudo isso e nos provocar diante desta iminência de realizar algo neste tempo repleto de incertezas. Por isso, digo: se temos uma ideia na cabeça, é só pegar o celular e pensar em como executar esta ideia. Daí o destaque para o exercício do olhar. Por exemplo, agora que fomos obrigados a ficar em isolamento social, as nossas casas, pra quem faz arte, viraram locações. Cada espaço pode ser um local a ser explorado, já que tivemos tempo para olhar para isso com calma. Eu tive a sorte de me mudar em dezembro do ano passado (GLÓRIA, GLÓRIA!!!). Então, como me obriguei ao isolamento a partir do dia 14 de março, pude passear pelo ap novo, já que ele ainda é “virgem” para mim, e descobri-lo por inteiro. E pude fazer algumas filmagens aqui através do celular. Aliás, é a primeira vez na vida em que uso o celular para fazer todos os processos da etapa de criação. Filmo, edito e lanço para o mundo os meus vídeos através do celular. Isso me fez ganhar tempo em muitas coisas. Porque antes eu até gravava com o celular. Mas na hora de editar era pelo computador, assim como postar nas redes sociais. Hoje faço tudo pelo celular. 


Então, comecei a provocar o meu olhar cinematográfico. Fiz alguns trabalhos que já são em cima desse olhar mais apurado. Assim nasceram os vídeos: Das Plantas, Saudade sobre tela, Você é especial e o último: LIVE OU MORTE? E em cada um fui sofisticando alguma coisa. Fui exigindo uma melhora em termos de captação, iluminação, gravação do áudio e interpretação. Afinal, são vídeos de um homem só. Eu escrevo, eu interpreto, eu posiciono o celular, ajeito os refletores, penso nas locações, etc. Ou seja, é um imenso movimento. Tenho criado ondas enormes aqui na minha casa.


Fora o meu trabalho também de pantomima que faço há 13 anos. Só que aí é só (?) ensaiar os movimentos, os gestos em cima da música e depois vê onde vou gravar e posicionar o celular de modo que capte o que quero mostrar. Nesse trabalho de produção de vídeo-performance, já é um exercício de corte cinematográfico, de pensar na narrativa que vou usar. De fazer storyboard, de experimentar como fazer alguma coisa, pensando se vai ser possível. Ou seja, tudo em casa! Isso, com certeza, esse tempo me deu a oportunidade de experimentar.  


Brinquei há pouco tempo, perguntando em um stories o que as pessoas tinham aprendido de novo nesta quarentena? Eu digo que não aprendi muita coisa nova, porém, eu aprimorei e aperfeiçoei várias coisas que eu já sabia. E ainda estou aprimorando. E tudo começou quando eu quis criar e filmar coisas, pensando em editais que estavam surgindo e também festivais. Mandei alguns vídeos para essas oportunidades. Dois deles já participaram de festivais. E o negócio é continuar fazendo. Porque o exercício do pensar e refletir sobre linguagens, formas de execução de um trabalho novo, pode nos fazer descobrir ainda mais o nosso potencial para coisas que não imaginávamos que poderíamos fazer. E é isso que devemos ter como regra da nossa conduta como artistas: SEMPRE NOS REINVENTAR! Porque se você estava se preparando há muito tempo, agora é hora de pôr em prática tudo aquilo que você vinha acumulando e só faltava espaço e oportunidade para fazer e acontecer. A HORA É AGORA! A HORA É JÁ! CRIE E SE RECRIE DENTRO DISSO TUDO QUE É NOVIDADE! Você pode ver que há muito ainda por fazer! E melhor! E diferente! Mão na massa!!! 


P.S.: Com certeza no tempo de leitura desse texto, 239 dancinhas novas foram criadas no TikTok e também 332 reels foram criados para o instagram. Então, corra e realize o seu propósito.