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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Artigo que vale a pena ler

Eduardo Sterblitch subverte tudo no show Minhas Sinceras Desculpas
Ou A morte do Freddie Mercury diante de uma plateia surpreendida - por Raul Franco


Sábado agora fui ver o show Minhas sinceras desculpas, de Eduardo Sterblitch, no Citibank Hall do Rio de Janeiro. Eu estava bem curioso para ver de perto esse show. Gosto muito do trabalho dele desde que o conheci como integrante do grupo Deznecessários (do meu amigo Paulinho Serra). Lembro a primeira vez que vi o quadro que ele faz de um ex-viciado em imitar o Sílvio Santos. Aquilo me deixava louco. Eu dizia: "Nossa, como isso é bom. Esse cara é genial". E me assustava mais ainda o fato de o Edu ser bem novo e ter calma no palco, segurança e dizer o texto com uma naturalidade e verdade assustadores. Isso é fantástico!

Depois de ver o show dele só concluí o que eu já sabia: "esse cara é mesmo genial". É genial, principalmente porque é louco (risos). E eu admiro pessoas loucas que nadam contra a corrente. E sinto inveja! Uma inveja criativa, como diz Ezequiel Neves. Não parei de pensar no espetáculo. De pensar em tudo. E principalmente, não parei de pensar em humor, nessa nova safra de comediantes. Ao ver o show, tive certeza de que tem alguém querendo ir além do que é óbvio demais fazer. Alguém querendo fugir do que esperam dele. E isso é instigante, pelo menos pra mim.

Em 2003/2004 cheguei a escrever um espetáculo que era muito novo, muito diferente do que eu estava acostumado a fazer. Ele parecia estranho porque ninguém estava fazendo aquilo no momento. Eu ia fazer com um amigo. E senti que aquilo tinha uma força avassaladora, porque quando escrevi a primeira parte foi quase como num surto. Chegamos a ensaiar. E eu dizia: "isso aqui não tem personagem, é quase como stand up comedy...". E o stand up não estava tão em alta como hoje em dia. E tinha um ar crítico, uma atmosfera diferente. Era um espetáculo que não se pretendia óbvio, muito menos babaca. E é legal quando pensamos em fazer coisas diferentes. Porque o igual já está sendo feito. E feito por muita gente igual. Imagine o que seria da arte se todos fizessem as mesmas coisas sempre! É muito bom quanto tem alguém que duela com isso, que acena com outra coisa.

Quando comecei com minha Cia Os Fanfarrões, estava numa época do auge do teatro de esquetes com personagens solos. Era a febre do momento. E muita gente correndo para fazer o seu, pra fazer sucesso e ganhar dinheiro como os outros. Só que os projetos devem ter alma. A gente tem que ser fiel ao que somos de verdade. Correr para imitar o que o outro está fazendo com o intuito de ser tão bem sucedido como ele é pobre! E nós, dos Fanfarrões, optamos por fazer o nosso trabalho da nossa maneira. O meu parceiro de Cia, Mineirinho de Maceió, já tinha um trabalho formidável de clown, de teatro-show, de mímica e de dança. Isso foi determinante em nosso direcionamento. Como aquilo era novo pra mim, eu procurei estudar mil possibilidade de fazer um trabalho que mantivesse a linguagem do que estávamos buscando. E fui atrás. Lembro quando eu cheguei com o quadro em que eu brincava com a canção Fico assim sem você, na voz da Adriana Calcanhoto. Comecei a ensaiá-lo. À princípio tinha dado ao quadro o nome de Dança interpretativa. E eu mesmo havia dito: "se esse quadro não der certo, a gente bota outro no lugar". Porque eu não tinha visto ninguém fazer no Brasil. Lá fora, já tinha visto alguns americanos fazerem. E o trabalho desses "one man show" é bastante diferente e diversificado. O cara faz stand up, clown, mímica, etc. Pois bem, montei o quadro. No ensaio geral, um amigo disse que tinha achado interessante, mas que preferia outros quadros. E quando estreei o quadro, pra minha surpresa, o público foi ao delírio e o quadro virou um sucesso. Postamos no youtube com o nome de Pantomima do Bochecha. E depois os internautas apelidaram de karaokê para surdo e mudo. Hoje já faz 4 anos que faço o quadro. É sempre um sucesso. Por isso, acho que a grande subversão agora seria parar de fazer (risos).

Comecei a falar isso, como se não tivesse nada a ver com o show Minhas sinceras desculpas. E tem tudo a ver sim. Porque o show me instigou de tal modo que repensei um monte de coisa e pensei muito no cenário cômico atual do Brasil. Hoje, diferentemente da época em que nasceu Os Fanfarrões, a febre do momento é o stand up comedy. Todo mundo faz. Eu estou fazendo. Lembro quando pensei em fazer o meu segundo solo, pensei muito em subverter esse gênero. Queria dar o nome ao show de Anti-Stand up. Mas tive a certeza de que a maioria não entenderia minha proposta. E como estava duro, pensei: "não vou querer ser original agora, porque vão me olhar como um merda. Vou ganhar o meu dinheiro primeiro". E foi o que fiz (risos). Porque hoje a quantidade de grupos de stand up comedy é enorme. Isso prolifera como Gremlins. Todo mundo faz. Um jovem de 20, 21 anos faz e ganha dinheiro com isso. Acho que quando rolava o teatro de esquetes de personagens solo algumas pessoas olhavam, achavam genial, mas viam que não sabiam fazer aquilo. Quando viram um jovem de cara limpa com um microfone na mão, dizendo seu próprio texto e fazendo a plateia delirar, isso encorajou uma galera, principalmente aquele jovem nerd que ficava comendo a sua batata ruffles em frente ao computador. Foi o grande insight da molecada. Só que, como todo e qualquer gênero, existem os bons e os medianos. Existem os geniais e os "pela saco". Isso em qualquer gênero.

Mais uma vez volto ao show do Edu. Eu estava tão antenado com o show dele, que quando deu o terceiro sinal eu brinquei com minha namorada, dizendo: "Eu sempre penso que nessa hora podia ter um aviso dizendo que não vai ter show". Mais tarde o Edu comenta isso. E outra vez pergunto: o que o show do Edu tem a ver com o que venho dizendo até, então? Tudo! Por que o que a galera que lotou o Citibank nesse dia e no anterior, esperava? Ver o "palhaço" do Pânico. Ver o Freddie Mercury prateado. As pessoas quando vão assistir aquele ator que está na Tv, elas já vão predispostas a rir, a gargalhar. A pessoa pode não abrir a boca que o público já está rindo. E isso acontece com o Edu. Mas o cara é tão genial que comenta isso: "Vocês vieram aqui porque eu faço o Pânico, porque eu fiz o programa do Jô". Ele aponta a backing vocal da sua banda, diz o nome dela e diz que ela canta no Altas Horas. Mas se ela fizesse um show colocando o nome dela no cartaz, ninguém iria. Ninguém iria mesmo! Isso é uma realidade. É triste ver o quando nos rendemos a ditadura do parentêsis. O que é isso? É você estar no teatro e ser obrigado a pôr entre parentêsis o que você fez na TV. E, às vezes, a pessoa coloca algo tão sem relevância entre os parentêsis que dá pena. E eu pergunto ironicamente: a pessoa acredita mesmo que isso vai ajudar a lotar o teatro? A gente vive essa mediocridade há muito tempo. Aí vem um grupo que põe a foto do diretor que é famoso em tamanho igual ao do próprio grupo. E no bastidor a gente sabe que o diretor mal compareceu aos ensaios, mas recebeu uma grana para deixar que creditassem a direção a sua pessoa. E o grupo acredita que esse é o caminho. E o filho de alguém famoso faz uma peça, mas a evidência fica no nome do pai. E por aí vai! Isso é o Brasil da revista Caras, da Quem, é o Brasil do Tv Fama, do Ego.

Pode parecer uma grande loucura minha, mas o show de Edu me suscitou tudo isso, porque ele teve a coragem de fazer algo diferente. Foi audacioso. Para muitos o show pode parecer pequeno. Mas há coisas sutis nas entrelinhas do que é dito. Muitos reclamaram de ser xingados de babacas pelo próprio Edu durante o show. Mas muitos também são babacas nas atitudes. Porque o que vemos aí é sempre mais do mesmo. Vemos artistas da música que fazem suceso com um disco e no próximo ele faz exatamente igual. Ele se acomoda. Ele se repete com apenas 2 anos de carreira. Deixa pra se repetir com 10, 15 anos. Artistas orientais mudam de nome, como forma de estarem sempre começando. Não se agarram a uma consagração momentânea. Por isso não canso de dizer que Edu foi grandioso. Frustrar a expectativa da plateia não é pra qualquer um. Se ele fizesse os personagens do Pânico que todos realmente estavam esperando, as coisas seriam normais. O público daria suas gargalhadas óbvias e voltaria pra casa feliz com o investimento no show. "Assistimos aquele cara da Tv, ótimo, né?". É como o camarote VIP de mega-shows como o Rock in Rio. A parada vira uma farra, e o principal do evento, fica em segundo plano. O que eu vejo de imbecilidades sendo ditas não tá no gibi. E isso é normal? "Ah, é diversão!", alguns diriam. Outros diriam: "Isso é rock, bebê!". Se fôssemos um país sério, onde a cultura fosse realmente levada a sério, o público compraria um jornal, acessaria a Internet e buscaria a sua programação, procurando ler a sinopse da peça e escolhendo pelo conteúdo que a peça se propõe. Mas o que acontece? O público escolhe a peça, procurando ver o cara que ele já vê na TV. Então, a dupla teen que fez par romântico em um folhetim teen da Tv vai para o teatro repetir aquilo que faz na Tv e que o público já está acostumado a ver. Ou seja, mais do mesmo. Aí o público se ofende quando Edu o chama de babaca? Sinceramente! Quer dizer que não é babaquice se consumir aquilo que é tão óbvio? Ah, tá! "Senta lá, Cláudia".

Acho que a riqueza de Edu, por ser um cara de teatro, está nos comentários acerca daquilo que está fazendo, de mostrar a artificialidade da arte. Tudo é coerente no show. Ele diz que não tem um bom texto. Que falará apenas suas verdades. E é o que faz. Se o público não gostou, o título da peça serve para apaziguar as coisas: "Minhas sinceras desculpas".

Graças a Deus, Edu não foi por um caminho óbvio. Ele poderia fazer o que todo mundo faz. O que tem de ator que está em humorísticos da TV fazendo no teatro os mesmos personagens, também não está no gibi. E não tem nada de mal nisso. São escolhas. Edu escolheu surpreender. E é tão bom quando tem alguém que faz isso. Eu não vejo a hora de ver alguém fazer algo completamente diferente e lançar uma nova tendência. Porque stand up todo mundo já faz, acreditando que é um gênero fácil, assim como tem gente que acha fácil fazer poesia. E não é!

Por isso, Edu, saí do Citibank completamente maravilhado com tudo. Porque a arte, em sua essência, tem essa missão de ser desconfortável. E o teu show tem esse espírito. É incômodo. Eu sinto uma inveja de você que você não imagina o quanto. Tem uma frase que vi uma vez o Gerald Thomaz dizer sobre o teatro que tem tudo a ver com shows assim. Ele diz: "O teatro deve ser uma arma apontada para o espectador". Essa frase resume tudo. O teatro deve ser instigante. Se o espectador se acomoda, o teatro perde sua força. O palco italiano já promove isso. Tanto que, sabiamente, você cita, logo no começo do show, o Grotowski que foi justamente um cara que pensou o espaço cênico de outra forma, com o intuito de tornar mais visceral a participação do espectador. Agora fico sem palavras, com um semblante semelhante a um cara que você gosta muito: Buster Keaton. O que seria de nós sem as referências, né? Hoje, você é uma referência minha.

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