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terça-feira, 3 de maio de 2011

O computador dispersa


O computador dispersa – de Raul Franco

Quando fui morar no Rio de Janeiro, em 1997, fiquei praticamente um ano sem computador. E, talvez, esse aparelho não fosse um mal tão necessário até então. O meu computador só chegou de Belém em 1998. E era um humilde 486 da IBM que vinha me acompanhando desde 1994. Totalmente cúmplice de minhas histórias.

Eu usava meu computador praticamente para escrever. No máximo, brincava de criar alguma imagem no paint. Quando queria ler algo, pegava algum livro na estante. Recorria a alguma enciclopédia ao alcance das mãos para ter a certeza de algum dado. Pra ouvir música, procurava algum CD e colocava no meu Cd Player. Às vezes, curtia algum vinil que ainda não havia sido lançado em CD. Se eu quisesse alguma música que não tinha, eu teria que esperar o nascer do sol (porque quase sempre ouço música de madrugada) para ir em alguma loja garimpar CD’s. Pra curtir fotos, eu pegava um álbum de fotografia. Pra falar com alguém, eu ligava do telefone de casa – porque nem celular eu tinha na época. Meus amigos ainda me mandavam cartas e cartões de aniversário, via correio.

Hoje muita coisa mudou. A Internet nos dá a ligeira sensação de que precisamos estar conectados o tempo todo. Você liga o computador, entra no e-mail ou em alguma rede social e já tem gente te chamando, nem que seja apenas para dizer: “oi, miguxo!”. Todo mundo te acha em algum lugar na Internet.

Se você se prepara para escrever algo, quando liga o computador, isso já vai para segundo plano, pois logo você se depara com alguma coisa que não necessariamente você precisa fazer mas que te fisga e te afasta do teu propósito inicial.

Você navega antes por diversos sites. Lê um jornal on line. Vê a atualização de fotos de algum parente ou amigo no facebook. Twitta algo desnecessário e posta fotos que você tirou em alguma festa e que estavam no cartão de memória há mais de uma semana.

As horas passam depressa em frente ao computador. Se você tinha cinco horas para escrever, agora só resta uma. E você escreve rápido para ver quem está on line no MSN. Ou seja, o computador parece uma ferramenta indispensável, mas que muitas vezes te dispersa e você mente pra si mesmo que precisa tanto daquilo.

Tenho saudade de quando havia coisas além do computador. Se antes a TV era tudo em um lar, hoje o computador ocupa essa função. Famílias inteiras já nem conversam pessoalmente. No máximo, curtem o que você disse no facebook. Ou retwittam algo interessante que você escreveu no twitter.

O computador, então, se torna esse mal necessário. Não apenas o computador, mas a obsessão de estar conectado o tempo todo. Hoje, os próprios celulares permitem isso. Sua vida é contada 24 horas. Coitados dos fabricantes de diários antigos, feitos de folhas de papel.

Sorte de quem consegue vencer esse vício e corre para apreciar a vida, ver um pôr do sol, caminhar na praia, encontrar amigos para um bate papo no fim de tarde. Sorte do homem puro que ainda não foi contaminado pela excessiva vontade de estar on line.

Eu sou um viciado completo, confesso. Antes eu era mais. Hoje procuro maneirar ou usar o computador para realmente fazer algo útil. Se antes eu escrevia cartas de próprio punho, agora eu disparo e-mails. Já nem sei onde estão meus velhos CD’s. Mas ontem consegui pegar um livro e lê-lo todo. Coisa boa de se fazer. Também vi na estante um grande álbum de fotografias da minha família. Meio empoeirado, mas bastante vivo e que pode ser manuseado na hora que se desejar. E agora escrevo esse texto à mão, deixando no papel do caderno minhas impressões digitais. É claro que logo mais esse texto vai parar no meu blog e vou divulgar o link. Mas existem saudades que o tempo não apaga. E o bom é quando a gente consegue se reinventar. Porque o computador existe para ser usado e não para usar-nos. E hoje eu tirei um dia de folga dele. Ufa, eu consegui!

Não sei se antes eu era mais inteligente e feliz. Mas hoje tive essa sensação, afinal, me peguei parodiando uma canção do Titãs: “o computador me deixou burro, muito burro demais / agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais”. Ao fim da canção, meu desejo era ter a sorte de ficar temporariamente off line. 

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