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terça-feira, 29 de março de 2011

VERÍSSIMO


                                        
                           Veríssimo - por Raul Franco

Dia desses fui ver uma montagem teatral que utilizava textos do escritor gaúcho Luís Fernando Veríssimo (não vou citar o nome do espetáculo, por questões éticas). E fui muito curioso, afinal, sou um fã ardoroso desse escritor que muito me influenciou a escrever comédias.
O começo do espetáculo era bem interessante, tinha uma certa dinâmica, com os atores distribuídos pela plateia, relacionando-se com o que estava sendo dito por um certo “palestrante” no meio do palco.
Abrindo um parêntesis aqui, vale dizer que tenho uma coisa sagrada com Veríssimo. Assim como Nelson Rodrigues. E há comédia, tanto em um como em outro. E já vi milhares de coisas no teatro e TV, envolvendo a obra desses dois escritores. É claro, coisas maravilhosas e outras nem tanto. E uma coisa curiosa: em montagens de cursos de teatro, acho que os dois ganham disparados em relação a outros autores. São bastante montados por alunos.
Mas, voltando ao nosso foco em questão, quero dizer que sempre achei o Veríssimo genial. Muitos brincam, dizendo que ele trouxe à tona e colocou no centro da literatura as questões da classe média. Eu concordo. E uma vez, assistindo a uma entrevista sua, eu o ouvi dizer algo bem interessante e que, talvez, seja primordial em sua obra. Ele dizia que o seu texto tinha aquele ritmo, o jogo com as palavras, talvez, por causa da sua alfabetização em inglês. E se pegarmos mesmo a questão do humor em Veríssimo, notamos que a sua comédia tem mesmo essa ligação íntima com as palavras. Muitos dos diálogos tem esse jogo com o texto, a brincadeira com a forma da frase e o modo como ela é dita. E isso torna-se uma característica forte da sua obra.
Pois bem, voltemos agora a peça que eu assisti. O mais bacana foi entrar em contato com Veríssimo novamente. Na peça, muitos textos eu já conhecia, afinal devorei quase tudo que vi de Veríssimo ao longo da minha vida. E tem muito de Veríssimo no meu primeiro espetáculo autoral feito no Rio de Janeiro, Casal Consumo, que encenei ao lado do ator Wendell Bendelack.
Um dos fatores que achei mais grave na peça é o seguinte: os atores fazem também os personagens femininos. Até aí tudo bem. Mas o problema quando um ator faz um personagem feminino, é ele ceder a brincadeira gratuita de estar representando uma mulher. É ele se deixar seduzir pela voz que irá fazer, muitas vezes carregadas de falsetes exagerados. Aí a brincadeira ficará centrada nisso, perdendo a essência do texto – o que no caso de Veríssimo, é um crime.
Em várias cenas acontece isso. Os atores acabam se perdendo no fato de estarem fazendo personagens femininos e na graça pela graça que isso provoca. Alguns textos que eu conhecia, perderam-se em função disso. Afinal, o ator mergulhava na “gracinha” de estar sendo uma mulher naquele instante.
Acredito que quando um ator estiver fazendo mulher em cena, ele tem que ser tão neutro a ponto de que possamos esquecer que ali há um ator fazendo uma mulher. Claro que isso exige um exercício de abstração enorme da nossa parte. Mas o que quero dizer é que o fato de se estar fazendo uma mulher, sendo homem, isso não pode se tornar maior que a história que se está contando. Porque a partir do momento que você tem um texto rico nas mãos, você deve se deter na história e não na graça pela graça.
Ao me deparar com um dos textos encenados na peça, logo me veio à cabeça a imagem dele nas mãos de excelentes atores no programa Comédia da Vida Privada. Eu via na peça o ator fazendo a mulher, cheio de gagues desnecessárias, e eu só conseguia pensar na limpeza de movimentos e o desconserto da mulher casada que trai o marido na interpretação de Débora Bloch. Aliás, Débora Bloch é uma atriz que sempre me instigou. Quando eu comecei a escrever comédia, muitas vezes cenas de casal, no momento da criação dos personagens femininos, não havia outra atriz que eu pensasse que não fosse a Débora Bloch. Isso desde quando eu era telespectador assíduo da TV Pirata. E depois ficou mais forte com o Comédia da Vida Privada e mais tarde ainda quando eu a vi numa peça ao lado de Luís Fernando Guimarães, Fica Comigo Essa Noite, de Flávio de Souza, a minha predileção por ela se exacerbou.  
Mas o ator, mesmo não sendo Débora Bloch (risos), poderia ter se detido basicamente na história que ele estava contando. E é um esquete maravilhoso que mostra uma mulher na sua casa, aos beijos com seu amante, porque o marido está viajando. Mas, surpreendentemente, o marido resolve antecipar a sua volta e ela se vê em apuros, tendo que esconder o amante às pressas no guarda-roupa. E o amante, assustado, acaba deixando os sapatos no meio do quarto. E o resto é a genialidade de Veríssimo construindo uma cena rica de situações e diálogos. Mas, como eu disse, tudo se perde na brincadeira gratuita com o fato de um ator estar fazendo a personagem feminina. Não sei se foi um problema de direção ou excessos do ator mesmo – que, diga-se de passagem, em outras cenas se saia muito bem. O que sei é que aquilo me incomodou e logo me lembrou uma frase da crítica Bárbara Heliodora que disse: “o principal no teatro é você contar a história, se deter nela”. Parece tão fácil, não é? E muitas vezes o que vemos é o ator ir em movimento completamente contrário a isso, afinal, está detido em coisas desnecessárias que se tornam muletas onde o principal da cena é deixado de lado.
Depois dessa cena que me cansou, eu acabei não terminando de ver a peça. Tive que sair. Eu até assistiria até o final, mas o meu compromisso foi maior. É claro que acho desagradável sair no meio de uma peça. Mas, acreditem, foi inevitável. Vale dizer que eu assisti a uma hora de peça. Um tempo relevante.
O que foi mais bacana é que na semana anterior, eu assisti no Canal Viva a um episódio do Comédia da Vida Privada. E delirei novamente com o programa. Porque coisa boa não tem prazo de validade. E era um episódio com Nanini e Andréa Beltrão, dois atores que admiro bastante. E matei a saudade dos diálogos precisos de Veríssimo. E o Comédia era um programa que tinha uma direção maravilhosa. Tudo era muito bem cuidado. E com atores impecáveis também.
Escrevendo esse texto agora, me deu uma enorme saudade da época que ensaiava com os amigos textos de Veríssimo. Como já disse, o meu próprio espetáculo Casal Consumo é parente próximo da obra de Veríssimo, afinal, eu e Wendell Bendelack somos profundo admiradores dos seus textos. Tanto que nos reuníamos na casa do Wendell e ficávamos assistindo aos episódios do Comédia da Vida Privada e repetindo, junto com os atores, as suas falas, num exercício obsessivo de criação e ritmo (risos).
Vale ressaltar uma coisa muito importante: eu não sou contra homens fazendo mulheres no teatro ou mesmo na TV. Mas é um trabalho que exige muito da direção para não cair em bobas armadilhas. E nem posso ser contra, afinal, no próprio Casal Consumo, o Wendell fazia a esposa, Maria Antônia. Mas no trabalho do Wendeel, tem uma coisa preciosa: como ele é um ator inteligente, ele se detém na história que está sendo contada, na pulsação da cena. Então, representar uma mulher fica sendo mero detalhe. E isso é um dado precioso: quando se faz uma mulher em cena, sendo homem, devemos nos deter na sensibilidade feminina e não no olhar de fora do que é ser mulher. Porque é outra coisa que acontece: quando o homem está fazendo uma mulher, ele a interpreta com uma visão que ele tem disso e muitas vezes acaba na crítica da própria personagem, o que é um ato ainda mais deplorável.
E por fim, quero dizer que quando a gente tem um bom texto nas mãos isso deve ser levado em conta. Já temos a pérola nas mãos. Então, é só colocar a luz adequada que ela brilhará por si só. Agora vou ali ler um pouco de Veríssimo porque deu mesmo uma saudade. A todos vocês, um forte abraço e nos vemos em breve!

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